quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Salute: o filme

O evento esportivo mais importante do mundo é, sem dúvidas, as Olimpíadas. Desde a Grécia Antiga, homens disputam para ver quem o mais veloz, mais forte, mais eficiente. O discurso principal da olimpíada é mostrar ao mundo que todos são iguais e todos podem competir e viver em harmonia. Foi neste evento que vi a cena que mais marcou a minha vida e mais marcou a minha admiração pelos esportes. 

1968, Olimpíada da Cidade do México. Embora eu só tivesse nascido em 1982 e lembrar apenas da Olimpíada de Barcelona (1992) em diante, foi através dela que percebi como fenômeno esportivo é fascinante, transformador e questionador. Desde criança eu lembrava daquela imagem. Ou porque assistia na TV através de alguma retrospectiva sobre as olimpíadas, ou porque falavam sobre alguma atleta brasileira etc. Mas não lembro de ninguém ter mencionado o que verdadeiramente aquilo significava.


Considero a imagem acima a mais importante da história do esporte e uma das mais importantes da história do século XX. Nela, estão o norte-americano Tommy Smith, medalhista de ouro nos 200m raso, à sua direita Peter Normam, australiano e medalha de prata e, à sua esquerda John Carlos, também norte-americano e terceiro colocado.

Os braços estendidos e as mãos fechadas com um luva preta eram um protesto contra o racismo vivido naquela época nos Estados Unidos, assim como uma forma de fomentar a discussão sobre os direitos humanos tão cerceados naquele momento. A própria cidade que sediava a olimpíada sofria com a pobreza de grande parte de seus cidadãos. Muitos foram mortos em protesto contra a presença dos Jogos, alegando que não é justo e de uma hipocrisia tamanha disseminar a integração dos povos e da paz no mundo como lema das Olimpíadas, sendo que o mesmo mundo passava por crises sociais e políticas gigantescas.

Não é preciso falar ou discursar para questionar. Basta um gesto para que isto ocorra e choque todos ao seu redor.E foi isso que ocorreu. Poucos sabem, mas após este fato os três atletas nunca mais tiveram suas vidas normalizadas.

Todos foram expulsos das suas delegações, foram proibidos de participar de outras Olimpíadas, não obtiveram o sucesso de outros atletas, tanto em termos financeiros, quanto em termos profissionais. Tommy Smith após a Olimpíada se tornou lavador de carros e John Carlos viu sua mulher se suicidar após diárias ameaçs de morte que ele e sua família recebiam. E o único atleta branco do pódio? Por que ele sofreu essas "punições"?
Um documentário chamado "Salute" - ainda não à venda no Brasil - aborda bem o ocorrido. Porém, ele traz como foco não os dois atletas americanos que defendiam o chamado "Black power", mas, sim, o outro atleta que completava aquele pódio: Peter Normam, falecido em 2006.

No filme, recentemente passado pelo canal Sportv, é contado que Normam, o maior velocista da história da Austrália até hoje e que ainda detém o recorde dos 200m do país, aceitou e apoiou a atitude dos seus colegas negros. Foi ele que sugeriu que cada um vestisse uma luva apenas, após Carlos ter esquecido o outro par de luvas na vila olímpica. Além disso, todos, inclusive Normam, foram para o pódio com um broche a favor da luta pelos Direitos Humanos. Embora, ele não tenha levantada a mão e nem seque olhada para trás, ele se mostrou um herói do esporte por apoiar uma causa que está acima de qualquer medalha. Está acima de qualquer carreira. Está acima de qualquer Ser Humano.



Normam nunca foi homenageado em seu país. Na Olimpíada de Sidney em 2000, ele não foi sequer convidado a participar da abertura, do revezamento da tocha etc. E o mais curioso é que naquela olimpíada a Austrália discutia a integração dos Aborígenes e sua importância histórica para o país. Porém, esqueceram de um ex-atleta que já havia colocado seu nome na história da igualdade racial.

Normam é um exemplo de como o sistema é perverso e consegue pelos seus tentáculos oprimir a todos. Ele só seria agraciado pela ordem hegemônica se vencesse aqueles negros? Só que ao se juntar a eles, foi completamente excluído.

Sinto falta de mais véiculos de comunicação divulgarem este tipo de acontecimento. Este caso é um exemplo raro de como o esporte deve ser debatido de forma mais profunda dentro das escolas. Peço inclusive a ajuda dos professores de história e de geografia. É um ótimo trabalho interdisciplinar.

Abaixo, segue uma reportagem sobre o caso, porém focando em Tommy Smith e não em Peter Normam. Mas de qualquer forma, vale muito a pena assistir.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012